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PESQUISA DE CAMPO EM RIO DAS OSTRAS E SANA

© 2017 Fotos por Diana Magalhães

Participantes:

Denise Espirito Santo
Giselle Magioli

Ítala Isis

Lara Silva

Diana Magalhães

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© 2017 Fotos por Diana Magalhães

SOBRE A PESQUISA DE CAMPO

Um pouco pela facilidade de comunicação entre grupos através das redes sociais, um pouco por reação aos enormes retrocessos das políticas públicas, o que vemos atualmente é a multiplicação de movimentos sociais, atos, manifestações, que destacam ou defendem especificamente pautas que dizem respeito à vida das mulheres. Como parte do nosso processo de criação, buscamos conhecer mais de perto alguns desses movimentos. Primeiramente, fomos até Rio das Ostras, município da região dos Lagos do Rio de Janeiro, para conversar com dois movimentos que, de maneira complementar, atuam nessa direção: Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras e Coletivo das Minas, ambos vinculados, na sua origem, ao Polo Universitário de Rio das Ostras da Universidade Federal Fluminense.
 

O Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras nasceu em 2013, como forma de enfrentamento da violência doméstica e de gênero em Rio das Ostras, depois que uma menina de dois anos foi violentada e assassinada na região. O movimento é composto por mulheres de diferentes idades, professoras e alunas, principalmente do curso de Serviço Social. Na reunião pública, convocada pelo facebook, em que comparecemos, estiveram presentes, pela primeira vez, além de alunas de outros cursos, moradoras do município, sem qualquer vínculo com a universidade. Também esteve presente na reunião Renata Coutinho, integrante da Liga Brasileira de Lésbicas e psicóloga da Comarca de Rio das Ostras do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que se apresentou como parceira do movimento. Convidamos Renata para uma conversa, no que ela aceitou prontamente, sendo bastante generosa e comprometida em nos colocar a par de questões fundamentais sobre a relação entre as demandas sociais e as políticas públicas para a região.

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Um dos pontos de pauta da reunião do Movimento Chega de Estupros foi o fechamento da Casa da Mulher em Rio das Ostras, que na região era sustentada pelo recurso municipal. O que compreendemos através da conversa com Renata e da reunião do movimento é que, mesmo antes de fechar, o espaço já não apresentava nem qualidade nem quantidade expressiva no atendimento às mulheres. Esse fato, aliado ao constante discurso de crise, contribuiu para o fechamento do espaço. Atualmente quem tem recebido os casos de agressões contra mulheres que ocorrem na região é o CREAS, Centro de Referência Especializada em Assistência Social. O CREAS é voltado para o atendimento a famílias em risco social. Embora a Casa da Mulher de fato não cumprisse seu papel, demandando alterações na rotina do atendimento, ainda era o espaço de referência no atendimento às mulheres da região. O CREAS, apesar de se mostrar disponível a atender às mulheres que chegam com queixas de violação, não tem o atendimento à mulher como atribuição primeira. Seu foco é o atendimento a casos de violação dentro de direito dentro da família. O que fica descoberto em termos de amparo é justamente os casos de mulheres que sofrem violência na rua. Ou seja, apesar da boa vontade, o CREAS acaba se configurando como um espaço voluntarista, sem nenhuma obrigação legal. As mulheres que sofrem violência no espaço urbano hoje não possuem nenhum lugar de referência no município.

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Existe também uma percepção de que os serviços públicos de maneira geral estão se tornando cada vez mais precários. Isso se faz sentir  primeiramente no atendimento às demandas das mulheres. Situações como a não realização da Conferência Municipal de Saúde da Mulher,  tapa determinante para que os movimentos sociais de Rio das Ostras pudessem participar com uma delegação representando o município na Conferência Estadual de Saúde da Mulher, a se realizar em 10 de junho de 2017, expressam certo nível de descaso e sabotagem para com os  movimentos da sociedade civil que é sintomático nesse contexto. Embora não seja sua ação exclusiva, é possível perceber que o Movimento  chega de Estupros em Rio das Ostras tem certa preocupação por pautar o Estado no diálogo por políticas públicas efetivas para o segmento das mulheres na região.

 

Além da Renata, conversamos também com Bruna, integrante do Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras desde  sua fundação, mas também do Coletivo das Mina – PURO. O coletivo surgiu, segundo sua apresentação em página do facebook, pela  necessidade de um espaço auto organizado feminino na Universidade Federal Fluminense de Rio das Ostras - RJ. Começou exclusivamente pelo facebook, mas logo saiu do espaço virtual para o encontro no campus. A partir da conversa com Bruna, percebemos que o coletivo, composto  exclusivamente por alunas do campus, com perfil mais jovem, atua de maneira diversa do movimento, preocupando-se muito mais com ações que produzam mudanças no cotidiano dentro do campus – indicações de oportunidades de trabalho, discussões sobre o comportamento   machista de colegas, reuniões de convivência e troca de experiências sobre modos de vida – do que com o embate com o poder público. O  encontro e articulação entre o Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras e o Coletivo das Mina - PURO, e essas várias gerações dentro do mesmo ambiente, nos enche de esperança sobre a possibilidade de mudança profunda das formas de convivência nesse espaço, tornando  inevitável a necessidade de outros parâmetros de organização social.

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Cabe, no entanto, observar a necessidade, já apontada pelo Movimento Chega de Estupros em Rio das Ostras, de ultrapassar o espaço universitário, chegando de maneira efetiva a outros grupos sociais, periféricos. Não no intuito superficial de conscientizar esses grupos sobre questões que talvez não sejam suas demandas prioritárias, ou normatizar seus comportamentos e modos de fruição, mas no exercício radical de deslocamento do olhar, que pode levar ao encontro e oportunidade de compreensão de outros modos de vida comunitária, outros campos de relações de poder e, consequentemente, outras formas de resistência possíveis.

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Ao reunir as reflexões, aqui apresentadas, nos damos conta de que nossa realidade latino- americana é atravessada por marcas, cicatrizes, memórias que sempre estiveram presentes no nosso cotidiano, mas parecem gritar em situações de crise social e política mais aguda, como a que enfrentamos hoje no Brasil pós-golpe. A compreensão sobre as formas de produção e manutenção da nossa herança escravagista nos coloca o desafio de enfretamento. Como artistas, educadoras e pesquisadoras, nossa luta acontece, sobretudo, no campo estético e político, tendo no teatro e nas ações performáticas vias de resistência. A Medeia que desejamos invocar nesse processo é a inevitável escuta e reconhecimento desses gritos que já estão presentes no chão da cidade e nos nossos próprios corpos, muitas vezes embrutecidos pela rotina mecanizada do espaço urbano. Trabalhar com uma dramaturgia que articule memória, corpo e espaço público é contribuir para uma escuta porosa, afetiva, acessível e, simultaneamente, extraordinária, na medida em que se faça como quebra da rotina urbana, da nossa própria história de resistência: Doroth Stang, missionária ambientalista assassinada com seis tiros, na cidade de Anapu, no estado do Pará, em 2005; Marinalva Manoel, líder guarani kaiowá, morta por pistoleiros armados após ter participado de um protesto em Brasília contra o genocídio dos povos indígenas em 2013; Cláudia Ferreira, baleada durante uma operação policial no Morro da Congonha, Rio de Janeiro, e arrastada por um camburão da polícia militar em 2014; Berta Cáceres, líder feminista hondurenha assassinada em 2016; Francisca das Chagas Silva, líder quilombola maranhense, morta no município de Miranda do Norte em 2016; As mães da Maré cujos filhos foram assassinados pelo aparelho repressor do Estado – a polícia militar do Rio de Janeiro; Mães de Acari, cujos filhos foram assassinados pelo aparelho repressor do Estado – a polícia militar do Rio de Janeiro; Luana Reis, mulher negra, mãe e lésbica, que morreu após ser espancada por policiais militares de Ribeirão Preto, São Paulo, em 2016. Mulheres cujas memórias continuam presentes, nos inspirando e convocando a ter coragem de vislumbrar outras realidades possíveis.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  1. BONOMO, Juliana Rezende. O tabuleiro afro-brasileiro: o abastecimento alimentar e a resistência das quitandeiras negras no Brasil do século XVIII. Anais Eletrônicos do XXII Encontro Estadual de História da ANPUH. SP, 2014. (Disponível em http://www.encontro2014.sp.anpuh.org/resources/anais/29/1405976865_ARQUIVO_OTABULEIROAFROanpuhsantos.pdf  Acessado em 10 de junho de 2017.)

  2. DIAS, Maria Odília. Resistir e sobreviver. In: PINSKY, Carla Bassanezi e PEDRO, Joana Maria (org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

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  4. FRENTE NACIONAL CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DAS MULHERES E PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO. Criminalização das Mulheres pela Prática do Aborto no Brasil: Dossiê 2007 – 2014. São Paulo: 2015. (Disponível em https://frentelegalizacaoaborto.files.wordpress.com/2016/09/dossiecc82-frente-contra-a-criminaizaccca7acc83o-das-mulheres.pdf Acessado em 10 de junho de 2017.)

  5. MONNET, Nadja. Flanâncias Femininas e Etnografias (trad.) JACQUES, Paola Berenstein. Redobra. n. 11, p. 218 – 234. Ano 4, 2013. (Disponível em: http://www.redobra.ufba.br/?page_id=109 . Acessado em 14 de abril de 2015.)
    “Presas são jovens, negras e com baixa escolaridade no País”. Matéria sobre o perfil das mulheres encarceradas no Brasil. Por: Portal Brasil. (Disponível em http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/11/presas-sao-jovens-negras-e-com-baixa-escolaridade%20no-pais Acessado em 11 de junho de 2017.)

  6. SANTO, Denise Espírito e LOTUFO, Júlia Jenior. Corpografias Urbanas. Rev. Bras. Estud. Presença. Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 70-82, jan./abr. 2014. (Disponível em http://seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/41982 Acessado em 1o de junho de 2017.)

  7. SEGATO, Rita Laura. La escritura em el cuerpo de las mujeres asesinadas em Ciudad Juárez: Território, soberania y crímenes de segundo estado. Buenos Aires: Tinta Limón, 2013.

  8. SENNET, Richard. Carne e Pedra. O corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: Record, 2003.

  9. SILVA, Maria da penha. Mulheres Negras: Sua participação histórica na sociedade escravista. 2010.

  10. STENGERS, Isabelle. Lembra-te de que sou Medea. BH: Ed. UFMG, 2000.

  11. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil. Brasília: Flacso Brasil, 2015.

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